janeiro 2013

A voz


Por Matheus

     Eu, que conto a história, sei mais do que ele jamais vai saber. Sei, por exemplo, que ela, por causa de um detalhe genético invisível  aos microscópios, pensa em sexo 7% a mais que as outras mulheres. Sei também que, no mundo dessa história, basta usar as palavras certas na língua certa que um dos deuses dos elementos faz chover. Sei dos detalhes sórdidos, conheço cada sujeirinha dos corações de cada um, pra mim são todos livros abertos. Ele nem desconfia que o cachorro morre no capítulo 4 ou que, no final, ele vai se matar por ela, doido de amor. Nunca passou por seu inventado fluxo de pensamento que ele é minha cria, meu escravo, e que a vida dele depende apenas e tão-somente da minha vontade e dos movimentos da minha pena. Mas essas são questões menores, e você não deveria me ouvir dizendo estas coisas todas, ninguém devia; eu sou onipresente, nasci com a primeira narrativa e não vou morrer enquanto houverem homo sapiens pela terra. Sou a voz que é sempre ouvida, o guardião que tudo sabe, estou aqui e ali, em inglês, tailandês ou russo: de mim ninguém escapa. Só que, ironicamente, não passo de um servo dos que pensam ou daqueles que pensam que pensam; sigo ordens como os fantoches que subjugo: tenho cordinhas como todos eles, mas, já que eles não têm nem podem ter noção disso, brinco de Deus consciente de que sou um inseto.

Back to Top